quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

O americano finlandês de Berlin (pt. 1)

E então o Americano – lamentei muito não lembrar do nome dele depois – tirou um pincel atômico do bolso do casaco e pôs-se a escrever na mesinha quadrada que estava encostada na cadeira dele. Eu, com pouca vontade de dançar na sala ao lado, tinha me sentado um pouco antes em uma poltrona a sua esquerda; ele, entre todos dali que parei para olhar com calma, parecia ser o spaced out mais simpático.

Era julho de 2011 em Berlin e estávamos no Tacheles, um dos lugares mais improváveis para terminar a minha penúltima noite daquele mês na Alemenha. Mais precisamente, sentávamos em uma ante-sala (sozusagen) da pista onde alguém tocava dubstep, no último andar de um prédio no centro da cidade que já fora hospital, universidade e era então galeria de arte alternativa. A música fremia, e em um ritmo não tão rápido, era acompanhada em pulsos pela luz negra e os flashes. As paredes totalmente pichadas já não me distraiam tanto quanto aquilo que ia sendo escrito a um metro de distância de mim.

Ele então notou que eu observava, puxou um cigarro e me ofereceu um também - “cigarette?”. Aceitei, um pouco receoso, e começamos a conversar, ao que ele passou a narrar sua história pouco a pouco. Como de praxe, esse primeiro contato entre dois Ausländer começou com uma ou outra pergunta sobre nossas origens; disse-me que vinha de "America". Acenei a cabeça concordando, e perguntei a cidade. "New Haven, Connecticut", respondeu. Percebeu que eu não sabia do que ele estava falando, e completou dizendo que vinha da mesma cidadezinha onde ficava a Yalethat Ivy League University, y’know?

Empolguei-me e perguntei se ele estudava lá, mas tão rapidamente o Americano negou. Achei que fosse um gênio ou sei lá. De qualquer forma continuamos, e o Dean Moriarty interno do cara foi se revelando ali na minha frente. Achou bacana que falava com um brasileiro – even though you don’t really look or sound like a Brazilian, o que quer que ele quisesse dizer com isso.

Não sei dizer se ele também parecia mesmo com um americano ou não; o fato é que Berlin, pelo pouquíssimo que eu pude ver, era eclética o suficiente para que eu não pudesse ter qualquer primeira impressão válida sobre nada ou ninguém. E aí, veja só, o loiro tingido, sem muitos apelos comerciais, de camiseta xadrez, barba por fazer, boné e fones de ouvido no pescoço não me ajudava com pistas de onde vinha ou aonde pretendia ir. Ele tinha uns 23, 24 anos e era bem alto, embora estivesse sentado o tempo todo.

Já estávamos no segundo passo daquele clichezão que é uma primeira conversa, e Yale serviu como gancho – o Americano continuou então a explicar, afinal, o que ele estudava ou fazia: era estudante de Administração (Business ou alguma coisa por aí que eu consegui entender) na Finlândia. Pois é, na Finlândia.

But why Finland, if I may ask?” – e a resposta surpreendentemente estava de alguma forma ligada com a música eletrônica de lá – me perco nos subgêneros, então não me arrisco a dizer exatamente qual música eletrônica. De um jeito ou de outro, aparentemente ele curtia muito a cena que rolava lá e tão somente por isso ele se viu finalmente em Helsinki, Hanken ou algo assim. Pessoas com todo esse true e desprendimento me fascinam.

O assunto ainda perdurou por mais alguns minutos, e nesse ínterim ele me ouviu (até bastante interessado) falar sobre o que eu estudava, o Direito brasileiro, o Goethe-Institut, a Alemanha e aquela história toda. Era por isso, inclusive, que eu tinha vindo parar aqui, devo ter dito. How about you, though? We aren’t exactly in Helsinki, are we?” E aí voltamos para ele. A tal cena musical, outrora tão apelativa, andava meio chata. Por isso, ele e alguns dos seus amigos se juntaram uns meses antes, saíram da Finlândia e foram On the Road pela Europa, descobrir alguma coisa ou só respirar outros ares.

Lá pelas tantas, entre uma capital e outra, os Escandinavos que então acompanhavam meu mais novo amigo estadunidense passaram a usar drogas muito pesadas. Logo ele, que não ia muito mais longe que LSD, MDMA e cogumelos, não pôde ver outra opção a não ser se separar do bando. Desviou do caminho e estava sozinho em Berlin.

Confesso que isso me surpreendeu; lá fora, na calçada do lado do prédio onde estávamos, pairava um cenário que me lembrava a dúzia de contos e pequenas histórias de Bukowski que eu lera pouco antes de viajar. Vi prostitutas, bêbados, chapados, e um sujeito risonho de sorriso largo em cima de uma bicicleta anunciava aos berros que vendia maconha e cocaína. Havia um ar de despreocupação meio ébrio, e talvez eu achasse que ele casaria melhor com o cenário.

Nisso, fez-se um parêntesis e ouvi dele uma pergunta sobre onde estavam alojados os outros brasileiros e eu, mas o Americano não tinha dinheiro para ficar no Hostel. Nem no Hostel, nem em lugar nenhum; restavam-lhe no total 22 euros. Lembrei-me do pouco que dava para fazer com aquele dinheiro, e o questionei quanto a um plano.

O plano? Nenhum plano. Praticamente como diz um grande amigo meu, ele podia só ter me olhado e resumido tudo dizendo “eu sou o agora”. E os 22 euros tinham sido fruto até mesmo e algumas horas anteriores à conversa. Contou-me com uma cara meio preocupada que o seu entretenimento daquele dia fora vagar pela capital alemã perguntando se alguém tinha alguma coisa que ele podia fazer por dinheiro. O Dean Moriarty de tênis Vans no pé diante de mim concluiu dizendo que estava meio que de favores de estranhos, que cediam um sofá nos dias que ele não achava um jeito de juntar uma grana. E agora? Quem sabe Old Bull Lee ou Sal Paradise apareceriam por ali às quatro da manhã... e faltavam algumas horas até isso, muito tinha para acontecer ainda. Ainda assim, o que ele poderia fazer, nicht wahr?

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