domingo, 14 de abril de 2013

When she laughs


Bibio — Haikuesque (When She Laughs)

When she laughs
The piano in the hall
Plays a quiet note

Waterfalls
Turning gentle into rough
Then gentle again

Morning dew
Washes yesterday's garden
Ready for today

Rocking chair
Is still without a rocker
But is still a chair

When she laughs
The piano in the hall
Resonates a note

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Pingente de zircônia


Viver em outro hemisfério é ver meu cotidiano de estrangeiro imitar com sotaque cenas do Brasil que eu guardei com afeto na memória.

Exemplifico: estamos correndo na BR-101 de volta a Blumenau, ouvindo música instrumental no rádio, e o sol poente está posicionado exatamente no ponto oposto à lua cheia, que nasce grande e brilhante. Na certeza de que a posição de astros no céu é tão somente um feliz acaso para os observadores, quero também acreditar no valor simbólico ou quiçá sobrenatural que essa oposição oferece.

Quero inventar significados e dizer que estamos no limiar da (nossa) alvorada. Ou que a própria lua está a sugerir que o crepúsculo, nesse dia em particular, é anúncio de alguma nova fase fantástica da nossa vida. Assistir ao pôr do sol nessas circunstâncias é quem sabe como assistir a uma mudança anunciada.

Um mês depois estou na estação de trem de Biesdorf, Berlin, tão longe de tudo.

Olho para cima e vejo essa rotina se repetir no céu. Não gosto de astrologia e acho a ideia uma grande bobagem. Mas sempre imagino interpretações caóticas quando passo por esse tipo de cena, especialmente agora que passou um mês desde que tomei o avião pra cá. Passou o tempo necessário para mais uma lua cheia, e não preciso que leiam minha mão para ver que concluiu aquela fase de transição que eu pressupunha.

Hora de voltar à minha pequena habitação no dormitório de estudantes.



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As paredes do dormitório Victor-Jara — casa ‘B’, número 111 —, erguidas na década seguinte à 2ª Guerra Mundial, estendem-se longamente pela rua Oberfeldstraße e opõem-se às numerosas casinhas de família em Biesdorf. O pequeno vilarejo e subúrbio alemão é um enclave em Berlin, cujos monumentos gigantescos não são maiores que a ponta do meu dedo indicador quando os tento alcançar no horizonte visto do alto da estação de trem provinciana.

Durante o dia, todas as ruas estão imersas num eterno sábado de manhã. Há principalmente velhinhos e mães de família — bem munidas de carrinhos de bebês e sacolas de tecido cheias de grandes garrafas de água com gás — mas olhos atentos avistarão também estrangeiros aos montes. Expostos pelas feições obviamente asiáticas, sotaques latinos, ruidosas conversas ou tropeços alheios às maneiras teutônicas, meus colegas gringos entocam-se igualmente nesta querida construção em tom cor-de-rosa clara, o Victor-Jara. Acumulamos saudades de casa já na centésima geração e em incontáveis dialetos, idiomas e pronúncias distantes.

Quando a noite cai, não há mais ninguém nas calçadas e nem nos quintais com rastros de crianças e homens de neve meio derretidos (ocupação do entediado e gélido sol dessa falsa primavera). Dividindo a madrugada com a Ursa Maior, a lua parece evitar içar voos mais ousados, de modo que sua órbita tem se limitado a tangenciar o horizonte. Possivelmente por essa razão, a vista das calçadas está sempre a pegar transeuntes surpresos com uma supermoon aparentemente constante.

Ontem andei da estação até o dormitório, e a vi surgir pintada de escarlate no entardecer deste céu além-mar, tom de nostalgia. Ocupei-me com qualquer obrigação que me ofereceu o cuidado das minhas quatro paredes, mas em dado momento voltei-me à inútil paisagem lá fora. Pus-me a olhar pela janela para achar o corvo que cantava com pesar em alguma das árvores desfolhadas, e vi a lua enfim brilhar branca novamente. Ela refletia a luz do sol exatamente como o pingente de zircônia refletia a luz da rua quando ainda me apaixonava três vezes por noite em Santa Catarina.

Na Florianópolis do último fevereiro, deixei-me levar pelo mesmo iluminado chamariz noturno quando dormia em alguma residência universitária não muito diferente desta em que estou. Na ocasião, se não me engano, já dormia a dona do colar dourado com o pingente em questão, mas fiz questão de ficar acordado para estampar na memória aquela visão. Lembro-me de pensar que, se fosse minha a canção do exílio, os sabiás e as palmeiras seriam mero ruído no fundo dos meus sentidos, tão ocupados com perfumes com essência de margarida (mas só no nome, porque margaridas não têm cheiro) da morena bonita dividindo comigo um colchão que ocupava o centro do seu quarto.

Em Biesdorf repito o mesmo pensamento. E aqui as canções dos exilados em tempos de censura no Brasil são o único resquício de aves gorjeando no meu idioma. Estou longe de casa há tão pouco tempo, mas sinto multiplicar-se diariamente a saudade que meus dedos têm de tocar o pingente de zircônia sobre o suéter lilás. Lamento perceber que, tocá-lo, neste momento, é tão realista quanto querer tocar a lua, e aí sinto desfazer meu sorriso ao perceber o quão definitiva é a metáfora.

Você ainda usa o colar, aliás?

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De acordo com um livro português de 1914, o sentimento de saudades está gravado no cerne da alma portuguesa, espalhando-se por seus descendentes espalhados pelo mundo. A sensação de vazio que provoca a ausência de algo que não pode estar ali começou quando os marinheiros partiam para o além-mar, na época dos descobrimentos. Aqueles que ficavam em Portugal amargavam uma melancolia distante, gastando seus dias fitando o horizonte do litoral, sonhando em tornar-se mar para poder seguir de perto seus navegadores em correntezas distantes.

Consigo imaginar o olhar partido de quem se debruçava sobre o convés do navio, flagrados pelo luar, marejando como um marujo que tem saudade do mar. Ouço os suspiros de quinze gerações atrás, soltos por tripulantes pouco convencidos de que as terras do outro lado do oceano ofereceriam a paz de espírito que as portuguesas lhes davam com certeza.


Com os olhares prendidos, as falas engolidas, os sorrisos roubados, sonham com aquelas moças de cabelo moreno e sotaque doce que acalmarão suas mentes, despertarão os sentidos e renovarão suas almas. Nem que para isso tenham que tornar-se um com o mar. 


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Sei de cor o que significa ser por um semestre falso conterrâneo de meus Komilitonen alemães, tanto quanto sabiam os naavegantes portugueses de séculos atrás o significado de caminhar por terras novas e distantes de Portugal. Mas há dias aqui em que acordo bem antes do despertador, e, ao olhar da minha cama para a janela, só consigo ver algumas estrelas e ocasionalmente a lua. Fito-as por alguns momentos como um náufrago, deixando-se levar pela correnteza, esperando que a visão de alguma constelação sirva de orientação para achar seu caminho.

A lua, no entanto, não é ponto de referência. Ela apenas provoca minha cabeça quando fecho novamente os olhos, de modo que não há mais nada flutuando no pensamento além de um colar com pingente de zircônia que insiste em não afundar no mar.

Estendido no colchão barato, com os olhos fechados fito de volta a dona do colar em sua imensidão, e sou tomado por arrepios das pontas dos dedos dos pés até o último fio de cabelo. O português à deriva dentro de mim morre de saudades.

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Partindo de Biesdorf até Innsbrucker Platz, há sempre uma visão que antecede o longo trajeto de trem de uma hora de um quadro bastante grande com fotos das várias fases pelas quais passou o prédio do dormitório na Oberfeldstraße 111. Gosto de revê-las ocasionalmente, apenas para imaginar as várias versões da mesma história de separação e saudade que os inquilinos de muitas décadas já viram, e que volto a oferecer ao Victor-Jara em 2013.

Não conheço muitas histórias desse tipo. Mas o tema, como o Thomas, francês de Lyon, me contou em varias variações, raramente tem um desfecho satisfatório para os protagonistas. E não faz muita diferença onde o sol ou a lua estavam, tampouco onde estavam ou de onde vinham os personagens.

(Mas tudo bem, o dia vai raiar, para a gente se inventar de novo.)

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Click your heels and wish for me!
http://mundoderascunhos.blogspot.com.br/2013/03/missing-your-skin-as-you-east.html